terça-feira, 24 de abril de 2012

Demônios

Para quem parece mais agnóstico do que qualquer outra coisa, as palavras que seguem podem parecer contraditórias, e acho que, no fundo, podem até ser mesmo... Mas, quem não tem os seus demônios??

Eu, de minha parte, tenho uma relação bastante "próxima" com a figura do diabo. Desde que assisti, aos dezesseis anos, o horripilante filme "O Exorcista", essa entidade passou a fazer parte mais efetiva da minha vida. É claro que as imagens do filme marcaram profundamente e mexeram com meu imaginário devido à criação cristã, a qual necessariamente (pelo menos à época) se pautava pela existência do bem e do mal, o primeiro sendo buscado, Deus, e o segundo sendo evitado, Diabo. Tal cultura religiosa, absolutamente incrustada na minha vida infantil e adolescente, fez com que a imagem real do demônio tomando o corpo de uma menina pura reverberasse profundamente na minha alma. Pois bem, poupando meus amigos leitores de mais detalhes, o que se passou daí prá frente na minha vida foi uma tentativa, algo inconsciente imagino hoje, de me aproximar da figura diabólica e tentar estabelecer laços de proximidade (se não pode vencer o inimigo junte-se a ele...rs). E não é que encontrei uma forma de me aproximar do Diabo sem "vender minha alma a ele"!! A literatura me propiciou isto. Explico: os contos A conversão do Diabo, de Andreiev, A Igreja do Diabo, de Machado de Assis, e Belgafor, o Arquidiabo, de Maquiavel, me mostraram a figura do demônio muito mais humana e, portanto, muito mais próxima. O fato de nestas alturas da minha vida eu ter conhecido e me apaixonado pela mitologia grega ajudou muito, pois nela os deuses são apresentados com as características humanas também.

Na minha vida, portanto, a presença do demônio é algo meio que constante. Mas, o problema é quando a presença dele volta a ser perturbadora. Parece que a linha é sempre tênue entre uma relação amistosa e uma investida propriamente demoníaca. Me lembro de uma passagem, interessante e cruel ao mesmo tempo, do conto A conversão do Diabo em que o demônio, que queria, contraditoriamente à sua natureza, fazer o bem,  seguindo a recomendação de um padre, tão santo como idoso, deixa que alguns ladrões matem uma criança de colo, sem mexer um músculo e sem que aquilo lhe causasse algum tipo de remorso, pois seguia uma diretriz do padre de que "fazer o bem era não se opor ao mal". Para o diabo, que tinha uma lógica absurdamente linear, os fins justificavam os meios. E, voltando ao que de diabólico tem o demônio, penso que a sua "função" é desorientar os humanos; nisto consiste a tentação: tirar o foco, tirar a atenção em algo, incutir e preservar o medo, atacar as fragilidades dos pobres e limitados seres humanos. O diabo da história de Andreiev queria, justamente, deixar de tentar homens e mulheres que iam à igreja rezar; mas aquele diabo, pela sua lógica rigidamente formal, não conseguiu compreender que ser humano e querer praticar o bem requerem a compreensão da eterna contradição humana (detalhe que faltou ao diabo de Machado de Assis que não conseguiu o sucesso na sua empreitada de construir sua Igreja).

É, tem momentos em que o melhor é deixar a amizade pelo demônio lá nas páginas da literatura, pois quando ele é "real", ele continua na sua sina de desorientar, tirar o foco, desordenar a nós, pobres e demasiadamente humanos. Tenho meu demônios, mas as vezes esqueço de enfrentá-los como deveria e, nestas horas, eles se aproveitam, há como se aproveitam... Mas é justamente nestas horas em que eles se mostram mais "reais" é que devem ser enfrentados, sob o risco de, simplesmente continuar a teme-los e sermos plenamente dominados... 

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